A recente reclassificação da Alternative für Deutschland (AfD) pela agência de inteligência doméstica da Alemanha (BfV) de “caso suspeito” para “extremismo de direita comprovado” marca um ponto de inflexão na política de segurança europeia. O estudo do ICCT aponta que, paradoxalmente, essa medida de contenção pode ter catalisado a radicalização interna do partido, ao invés de mitigá-la. A pressão institucional serviu como um filtro reverso, purgando os elementos mais moderados que buscavam legitimação política e deixando a estrutura partidária nas mãos dos ideólogos mais intransigentes.
O mecanismo descrito é uma clássica “radicalização por designação”. Membros pragmáticos, temendo repercussões em suas carreiras civis e o estigma social de pertencer a uma entidade monitorada pelo Estado, abandonaram a legenda. Isso criou um vácuo de poder rapidamente preenchido pela facção nativista e etnonacionalista, que vê a hostilidade estatal não como um alerta, mas como uma validação de sua retórica anti-establishment e de perseguição política.
Geopoliticamente, o caso ilustra os riscos da “Democracia Militante” (Wehrhafte Demokratie) — o conceito alemão de que a democracia deve se armar contra seus inimigos internos. Ferramentas desenhadas para proteger a constituição podem, inadvertidamente, solidificar a coesão de grupos extremistas, criando um efeito de trincheira (“rally ‘round the flag”). O partido agora adota abertamente conceitos como a “remigração” (deportação em massa) e retóricas conspiratórias sobre a “Grande Substituição”, posições que antes eram sussurradas, mas agora são parte do programa oficial.
Para a segurança global, a implicação é que a AfD, agora isolada institucionalmente pelo “cordão sanitário” (Brandmauer) dos outros partidos, pode se tornar um vetor de instabilidade ainda maior. Sem incentivos para a moderação e com o financiamento estatal ameaçado, o partido pode buscar apoio em redes transnacionais de extrema-direita ou atuar como um “spoiler” sistêmico, testando os limites da lei e da ordem pública.
Este cenário exige uma recalibragem das estratégias de contraterrorismo e inteligência política. O monitoramento e a designação jurídica são vitais, mas, isolados, podem acelerar a deriva extremista se não acompanhados de políticas que abordem as causas raízes do apoio popular — os “fatores de demanda”. O desafio não é apenas neutralizar uma organização, mas impedir que a repressão estatal se torne o principal combustível para a sua narrativa de vitimização e recrutamento.
A persistência da AfD como segunda força política, mesmo sob vigilância total, sinaliza que a batalha contra o extremismo na Europa Ocidental deixou de ser apenas uma questão de aplicação da lei para se tornar uma crise de representação. A inteligência agora opera em um terreno onde a distinção entre “oposição legítima” e “ameaça constitucional” é contestada por uma parcela significativa do eleitorado, tornando cada ação do Estado uma potencial arma na guerra cultural.
Fonte: ICCT (International Centre for Counter-Terrorism)
Link: Leia na íntegra em https://icct.nl/publication/radicalisation-designation-afds-extremist-turn
